
Você já teve aquela sensação de que, por alguns minutos, tudo sumiu? Os problemas, o barulho interno, o tempo?
Só existia você, seu corpo em movimento e um silêncio quase sagrado entre um passo e outro.
É isso o que muitos chamam de estado de flow.
Uma corrente invisível que te leva. Você não pensa, você é.
E no asfalto quente de uma manhã qualquer, a corrida vira ritual.
Esse estado, descrito pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi como “experiência ótima”, não acontece por acaso, ele nasce da presença, da entrega e da conexão corpo-mente.
E na prática esportiva, especialmente na corrida, o flow não só potencializa o desempenho físico, como também se torna um canal de autocura.
O que é o estado de flow?
Flow é quando estamos tão imersas em uma atividade que perdemos a noção de tempo, fome, medo, ego.
A atenção se estreita, o ruído mental silencia, e tudo o que existe é o agora.
É um tipo de meditação em movimento, mas diferente da quietude da almofada, aqui o corpo é quem guia.
Esse conceito foi amplamente estudado por Csikszentmihalyi, que analisou desde artistas até atletas de alta performance.
Segundo ele, o flow acontece quando há equilíbrio entre desafio e habilidade: não tão fácil a ponto de gerar tédio, nem tão difícil a ponto de causar ansiedade.
Na corrida, é aquele momento em que o corpo parece encontrar um ritmo próprio, a mente para de resistir e surge uma sensação de leveza, como se você pudesse correr por horas.
Neurociência do flow: o que acontece no cérebro?
Durante o flow, ocorre uma desativação temporária do Default Mode Network (DMN) a rede cerebral ligada ao devaneio, autocrítica e ruminação.
Essa “desligada” no modo padrão abre espaço para um foco profundo e uma sensação de liberdade interna.
Estudos em neurociência, como os de Arne Dietrich (2003), sugerem que o flow envolve um fenômeno chamado hipofrontalidade transitória, onde o córtex pré-frontal (responsável por julgar, planejar e controlar) reduz sua atividade.
É por isso que sentimos menos medo, mais intuição e maior prazer.
O sistema de recompensa também entra em cena, liberando dopamina (neurotransmissor ligado à motivação e ao prazer) criando um ciclo de reforço positivo que nos faz querer repetir a experiência.
Flow, esporte e autotransformação
Se a corrida de rua pode ser uma porta de entrada para o flow, ela também pode ser um espelho.
Cada passada ritmada revela algo sobre você: sua resistência ao desconforto, sua relação com o tempo, sua capacidade de persistir.
Para mulheres que se sentem exaustas, fragmentadas e desconectadas do corpo, o esporte pode ser mais do que uma prática física.
Ele pode ser um recomeço.
Uma forma de se reencontrar, não por metas estéticas, mas por presença.
Como cultivar o estado de flow na corrida?
- Comece sem pressão: Não tente iniciar performando como uma estrela, você pode até marcar seu treino, mas sem querer ultrapassar seus limites. Sinta o corpo. Deixe que ele dite o ritmo.
- Escolha um lugar que te inspire: natureza, um bairro tranquilo, ou aquela rua onde o sol bate bonito. Cenários que despertam presença ajudam a mente a silenciar.
- Entre no ritmo: não corra contra o corpo. Corra com ele. O flow nasce quando esforço e prazer caminham juntos.
- Respire com intenção: perceba o ar entrando, saindo, te sustentando. A respiração consciente ancora a mente no presente.
- Desligue a mente julgadora: não pense se está “indo bem”. Apenas vá. Solte a necessidade de controlar.
- Acompanhe sua evolução: colete pequenos dados do seu app de corrida, dos seus sentimentos pós-treino, da sua energia no dia seguinte. Feedback direto ajuda o cérebro a manter o foco e calibrar o desafio.
- Crie metas claras e alcançáveis: nem fáceis demais, nem inalcançáveis. O flow acontece quando o desafio conversa com suas habilidades reais: como uma dança sutil entre esforço e domínio.
- Corra por significado, não por números: transforme sua corrida em um ritual. Dê a ela uma intenção. Esse propósito sustenta sua motivação e te leva mais longe, por dentro e por fora.
Convite para dentro
Hoje, se você puder, calce um tênis, vá para a rua e deixe o corpo te guiar.
Não precisa correr rápido. Nem bonito. Nem muito.
Corra como quem dança, como quem medita, como quem volta para casa.
Porque talvez o que você está buscando não esteja em uma resposta externa, mas naquele instante em que o som dos seus passos se alinha com o silêncio da sua alma.